O QUE NÃO FAZER PARA SER UM MAU PROFESSOR, DE ACORDO COM ALGUNS PENSADORES CHINESES
O Mestre disse: "Quem sairia de
uma casa sem usar a porta? Por que as pessoas insistem em andar fora do
Caminho?"(Lunyu, 6)
Usualmente, encontramos dicas de como
alguém pode se tornar um bom professor. Tais conselhos são guiados por
orientações teóricas das mais diversas; e nos permitem supor que naturalmente
podemos nos tornar péssimos profissionais do ensino, mesmo que não saibamos.
Como de costume, gosto de propor exercícios de reflexão a partir de uma
perspectiva sinológica, recorrendo à experiência de alguns autores chineses
sobre a arte de ensinar para percebemos um contraponto. Assim, pretendi
construir um texto sobre o que não fazer
para ser um mau professor, invocando Confúcio e outros autores chineses.
Contudo, quero iniciar esse texto com um deslocamento, um desvio no tempo e no
espaço que torne nossa experiência intelectual um debate prazeroso de ideias.
No Conto ficcional de Machado de Assis, “O
Segredo do Bonzo”, Patimau e Languru são dois discípulos pilantras do Mestre
Pomada, encontrados por Fernão Mendes Pinto, Diogo Meireles e outros viajantes
portugueses, em um imaginário país asiático lá pelos idos do século 16. Patimau
era o criador de uma teoria belíssima, porém absolutamente mentirosa, de que os
grilos surgiam de uma conjunção de ar, folhas de coqueiro e a lua nova.
Intrigados, Diogo e seus colegas buscam conhecer o mestre fundador de uma doutrina
tão peculiar, e o encontram na figura de Pomada, que assim lhes apresenta sua
forma de pensar:
“- Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber, têm duas
existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que
o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais
profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contacto com
outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se
ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém
os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há
espetáculo sem espectador. Um dia, estando a cuidar nestas coisas, considerei
que, para o fim de alumiar um pouco o entendimento, tinha consumido os meus
longos anos, e, aliás, nada chegaria a valer sem a existência de outros homens
que me vissem e honrassem; então cogitei se não haveria um modo de obter o
mesmo efeito, poupando tais trabalhos, e esse dia posso agora dizer que foi o
da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina salvadora. [...] Mal podeis
adivinhar o que me deu ideia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da
lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cabeço de uma montanha ou no
píncaro de uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais
dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não existiu nunca, e ninguém
jamais a viu; mas muita gente crê que existe e mais de um dirá que a viu com os
seus próprio olhos. Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir
na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na
opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é
a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente. Tão depressa fiz
este achado especulativo, como dei graças a Deus do favor especial, e
determinei-me a verificá-lo por experiências; o que alcancei, em mais de um
caso, que não relato, por vos não tomar o tempo. Para compreender a eficácia do
meu sistema, basta advertir que os grilos não podem nascer do ar e das folhas
de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o princípio da vida
futura não está em uma certa gota de sangue de vaca; mas Patimau e Languru,
varões astutos, com tal arte souberam meter estas duas ideias no ânimo da
multidão, que hoje desfrutam a nomeada de grandes físicos e maiores filósofos,
e têm consigo pessoas capazes de dar a vida por eles”.
A ironia de Machado é absolutamente precisa e fortuita.
No que toca o mundo da Sinologia – e mais extensivamente, o acadêmico e a arte
de ensinar – a construção das afirmativas e posições pouco tem a ver, muitas
vezes, com algum tipo de fundamentação teórica ou mesmo experiencial. Em geral,
as pessoas gostam de afirmar coisas que não podem provar, mas sabem que isso
faz pouca diferença para quem escuta. De fato, se há realmente algo que
engrandece a vida dos pseudoestudiosos é o que eles afirmam ter feito (ou fazem),
ainda que isso diga ou signifique muito pouco. Mas, como disse Confúcio, “postos,
porém, diante de uma armadilha, não sabem o que fazer”, a não ser...criar novas
histórias!
No Shiji
de Sima Qian, aparece uma história em que o sábio Confúcio, aflito por sua
doutrina ser amplamente ignorada pelo vulgo, pergunta aos seus discípulos a
razão disso:
“O grupo de Confúcio não tinha meios de
escapar, e os mantimentos começaram a escassear; muitos caíram de cama,
enfermos; Confúcio, entretanto, continuava a ler, e a cantar acompanhando-se
com um instrumento de cordas, sem alterar-se. Com evidente raiva, Zilu
dirigiu-se ao Mestre: "Também uma pessoa educada se vê em dificuldades, às
vezes?" E Confúcio replicou: "Decerto, mas só o homem vulgar é que,
ao se ver em dificuldades, perde a sua personalidade e comete toda sorte de
tolices." Zigong ficou visivelmente impressionado com essas palavras do
Mestre, e ele continuou, noutro tom: "Ah Zi, tu imaginas que eu aprendi
uma porção de coisas e as tenho de cor?" E Zigong: "Imagino, pois não
é verdade?" Confúcio disse: "Não, o que eu tenho realmente é uma
linha mestra que passa através de todos os meus conhecimentos".
Como acontece em muitas das explicações
dadas pelos sábios, os discípulos não entenderam muito bem o que significava a
ideia de um princípio ético que permeasse a doutrina de Confúcio. Novamente,
usando da analogia, o velho mestre chamou seus alunos queridos para explicar o
sentido teórico do que fazia:
“Confúcio ficou então sabendo que seus
discípulos estavam zangados e com o desapontamento na alma; chamou Zilu para
dentro e o interrogou: "Está no Livro dos poemas: ‘Nem búfalos nem tigres,
que erram pelo deserto’". [Uma comparação com eles próprios]. Achas errado
o que eu ensino? Como é que eu me coloco, nesta situação?" Zilu respondeu:
"Talvez não sejamos bastante grandes e não tenhamos sabido granjear a
confiança do povo. Talvez não sejamos bastante sábios e o povo não queira
seguir nossos conselhos." Confúcio falou: "Pois é assim? Ah Lu, se os
grandes homens pudessem granjear sempre a confiança do povo, por que iriam Boyi
e Shuxi para as montanhas, morrer de fome? Se os sábios sempre tivessem os seus
conselhos seguidos pelo povo, por que o Príncipe Pikan haveria de
suicidar-se?" Zilu saiu e Zigong entrou, e Confúcio disse: "Ah Zi,
está no Livro dos Poemas: "Nem búfalos nem tigres, que erram pelo
deserto." Há erro em meus ensinamentos? Como me coloco nesta
situação?" Zikung respondeu: "Os ensinamentos do Mestre são demasiado
grandiosos para o povo, e eis por que ele não os segue. Por que não baixais um
pouco das vossas alturas?" Confúcio falou: "Ah Zi, o bom lavrador
semeia o campo, mas não pode garantir a safra, e o bom artesão esmera-se no
trabalho, mas não pode garantir que agradará a seus fregueses. Eis que não
tendes mais interesse em cultivar a vós próprios, senão em serdes aceitos pelo
povo ... receio que não estejais buscando para vós mesmos o padrão mais elevado”.
Zigong saiu, entrou Yan Hui e Confúcio lhe disse: "Ah Hui, está no Livro
dos Poemas: "Nem búfalos nem tigres, que erram pelo deserto." Há erro
no que ensino? Como me coloco nesta situação?" E Yan Hui falou: "Os
ensinamentos do Mestre são tão grandiosos... por isto o mundo não os pode
adotar. Não obstante, deveis fazer o possível para divulgar vossas ideias. Que
vos importa se elas não são aceitas? O simples fato de não as aceitarem prova
que sois realmente uma pessoa superior. Se a verdade não é cultivada por nós, a
vergonha é nossa; mas se nos dedicamos exaustivamente à pregação de uma ordem
moral e ela não é seguida pelo povo, a vergonha é dos que estão no poder. Que
vos importa isso? O fato de não vos aceitarem mostra que sois um verdadeiro
Educado". Confúcio ficou satisfeito e falou sorrindo: "Pois é assim?
Ó filho de Yan, és um homem precioso, eu devia ser teu servo!".
Ora, o que Confúcio faz aqui é uma demonstração
sublime de humildade; mas esta mesma humildade, em geral, é entendida como
fraqueza ou submissão. Ainda que possamos oferecer o ensino, o acesso à
educação, quem diz que as pessoas conseguem realmente compreender a dimensão
disso? Quantos milhares de alunos nós encontramos absolutamente desinteressados
de aprender algo, tão desejosos somente de um diploma que nada representa?
Quantas centenas de docentes compreendem as necessidades dos discentes, mas
lavam as mãos e dedicam-se somente a esperar seus salários e conspirar contra
colegas por inveja, despeito ou divergência intelectual?
Precisamos então retomar o mestre Pomada, para
entender o que se passa com muitos daqueles envolvidos na dura lida do ensino.
Profissionais ruins precisam sempre de justificativas pra embasar seus
fracassos. Eis a razão pela qual um farsante nunca abandona o hábito de
fabricar histórias, posturas e imagens. E essa não é uma estratégia nova, mas
aparece acompanhar a história da humanidade. É preciso constantemente maquiar
fracassos como sucessos; assim como fazer com que a medida de uma carreira
brilhante seja o quanto se ganha ou a fama que se alcança, sem uma preocupação exata
do que se aprendeu na caminhada. Novamente, encontramos um bom exemplo de
reflexão sobre isso na China. Han Yu, pensador confucionista da época Tang,
conta-nos a história de um aluno que queria saber por que grandes sábios
andavam em andrajos, se podiam ter tudo. O mestre respondeu-lhe brilhantemente:
“Uma manhã, o mestre do colégio imperial entrou na sala da universidade
e dirigiu o seguinte discurso aos estudantes que se encontravam em seu curso:
-Toda obra se aperfeiçoa com dedicação e se arruína com a negligência.
Assim mesmo, a conduta é cabal para a força da meditação, ainda que a
desatenção a desencaminhe. [...] Em sua carreira de estudantes, vocês devem
temer não poder aperfeiçoar vossas capacidades quanto seja possível, sem se preocupar
se as autoridades não são suficientemente ilustradas. Assim mesmo, em vossos
atos, deveis temer não poder levar a cabo todo o esforço necessário, sem
preocupar-se se as autoridades não são justas...
Ainda não havia acabado de falar quando um estudante começou a rir e
disse:
-Mestre, está gozando da nossa cara? Levei muito tempo seguindo seus
ensinamentos. Sua boca vive recitando os textos canônicos que suas mãos
folheiam sem cessar. Você vive pesquisando os autores clássicos, pondo sempre
em relevo os pontos mais importantes das narrativas e destacando o sentido mais
profundo dos discursos. Suas aspirações são muito amplas e as realizas
perfeitamente, sem deixar de lado as grandes linhas ou os detalhes. Ao
anoitecer segues trabalhando a luz de uma lamparina, e ao longo de horas você
de esforça sem descanso. Realmente, se pode dizer que seu trabalho está feito.
[...] Tens a cabeça calva e os dentes ruins; sua vida chega ao fim, e que bem
você alcançou? Mas não sabes meditar sobre isso; ao contrário, acaba de dar-nos
preceitos sobre a vida humana.
-‘Venha cá’, disse o mestre - Chegue bem perto e escute. Das grandes
árvores se fazem as vigas, das pequenas os caibros. Colunas, trancas,
fechaduras, tudo tem sua utilidade. Construir uma casa com eles é o trabalho do
carpinteiro. [...] Elevar os inteligentes e eleger os capazes, conduzir hábeis
e torpes, trazer os sagazes de mente ágil, criar heróis que tenham grande
valor, medir os excessos e insuficiências para empregar a cada um em seu cargo
que lhe convém se constitui no trabalho do Primeiro-ministro. Quanto a mim,
professor, por mais aplicação que tenha mostrado em meu estudo, não tenho
podido seguir a grande corrente de ideias; por abundantes que sejam minhas
palavras, não tenho alcançado a real natureza das coisas; por mais refinado que
seja meu estilo, não consegui alcançar nada útil; por melhor que seja minha
conduta, não tenho feito nada para me destacar na multidão. [...] Olho os
antigos para imitá-los. Apesar disso, o soberano não me pune e o primeiro
ministro não me expulsa. Acaso sou mal afortunado? Se minhas ações provocam
censuras, me dão renome também. O que eu mereceria, com minhas capacidades,
seria engrossar a fila dos desempregados, depois de ter ocupado algum cargo sem
importância. Assim, se você me examina se possuo ou não riquezas, se meu nível
está alto ou baixo, esquecendo da justa medida a que me atenho, alegando os
defeitos dos que obtiveram honras, será como criticar o carpinteiro que fez uma
pilastra no lugar de uma coluna, ou de um médico que empregou um remédio ao
invés de outro”.
Aquele que defende a via calcado numa sinceridade
moral, pois, vive de um tal modo que é incompreensível para os que acreditam
nas aparências. Ninguém pode entender como ou porque ele não tira proveito
material ou social de suas conquistas pessoais. Aos olhos do vulgo, seu
conhecimento parece pouco eficaz, e quanto mais o sábio estuda, mais ele
percebe o quanto não sabe - enquanto os outros têm absoluta certeza de saber
aquilo que não sabem.
Tais afirmações parecem dogmáticas, ainda que
inspiradas em pensadores antigos. A constatação de sua veracidade só se pode
dar, realmente, se aquele que busca o saber procurar entender o que NÃO
aprendeu quando estudava com os mestres ou discípulos da opinião. Infelizmente,
muitos nunca perceberão o que estava errado; outros tantos terão aquele
sentimento de “fui enganado”, ou “devia ter feito diferente”, o que pode ser
traduzido como arrependimento; mesmo sabendo disso, hão de manter as
aparências; apenas uns poucos talvez percebam a diferença entre o saber real e
o saber-de-aparência, mas ao fazê-lo, mesmo assim podem se surpreender e mudar
de atitude, buscando o saber real, ou podem transformar-se em discípulos de
Pomada!
Mas, para fazer um contraponto, encontramos um
ensaio de Lin Yutang (presente na sua coletânea “Com Amor e Ironia”) intitulado
“Yupuwei”, que poderia ser traduzido como “O que eu não faço”. Yutang baseou o
título de seu ensaio no hábito que alguns escritores chineses tinham de nomear
seus livros como apologias ou desculpas, e aproveitou o ensejo para declarar
algumas das coisas que buscava não praticar como intelectual, ser humano e
escritor. Bem, qual a relação disso com a academia, a Sinologia e o ensino? Se
bem aproveitada a ocasião, o que desejo fazer aqui é uma relação de coisas que,
creio eu, um profissional de ensino e pesquisador NUNCA deveria fazer, na minha
opinião. As afirmações que se seguem, em grande parte, baseiam-se igualmente
nos pensamentos de Confúcio, o professor que um dia pavimentou o caminho
daquilo que pensamos ser a sabedoria.
O que não fazer para ser um mau professor
Não ser soberbo – pois quase
tudo que aprendemos muda, um dia. O que sabemos agora há de ser outra coisa
depois, e só o sábio entende que deve mudar quando necessário. Mas há um fio
central que percorre a sabedoria... O Mestre disse: "Não te preocupes se
as pessoas não reconhecem teus méritos; preocupa-te se não reconheceres os
delas". (Lunyu, 1)
Não ser vaidoso – muitos pensam
que o respeito se conquista por roupas ou posturas. Se há algo adequado para se
usar, isso não mostra saber. O sábio é respeitoso, e só. O Mestre disse:
"Conversa inteligente e modos afetados raramente são sinais de bondade".
(Lunyu, 1) e O Mestre disse: "Um erudito coloca seu coração no Caminho; se
ele se envergonha de suas roupas surradas e de seu alimento modesto, ele não
merece ser escutado". (Lunyu, 4)
Não acobertar o erro –
pois isso é dar falsa esperança ao estudante. Ele aprende que pode sempre errar
porque será perdoado, e seu conhecimento se formará cheio de lacunas. Não se
pode dar conhecimento a alguém, apenas fornecer os elementos para isso. O
esforço, porém, é individual. O pior crime que alguém pode cometer e fazer crer
que alguém está aprendendo quando não está. "Estudar sem pensar é fútil.
Pensar sem estudar é perigoso". (Lunyu, 2)
Não ser parcial – pois ao
contrário do que se pensa, os que mais pregam a moralidade são estritamente parciais,
e somente favorecem os seus. Quando a “moralidade” é uma coberta para o erro,
ela faz estragos terríveis. A verdadeira imparcialidade, se é que existe, é dar
a todos o que precisam – ou, às vezes, o que querem. Este último recurso só
vale quando não há muito mais a fazer, a não ser deixar que os errados se
estrepem. O Mestre disse: "O educado considera mais o todo do que as
partes. A pessoa pequena considera mais as partes do que o todo". (Lunyu,
2); ‘O Mestre disse: "Um educado
considera o que é justo; a pessoa pequena considera o que é vantajoso".
(Lunyu, 4)
Não ser desleal – a lealdade não
encobre o erro, ao contrário, ela é o meio sincero pelo qual se dissolvem os
erros – ou as amizades, quando não há lealdade. Por isso, alguém que é fiel a
sua causa o é até o limite, ainda que não se entenda as suas atitudes.
"Examino a mim mesmo três vezes por dia. Ao intervir em favor dos outros,
fui digno de confiança? Na relação com meus amigos, fui leal? Pratiquei o que
aprendi?" (Lunyu,1)
Não ser pretensioso -
a humildade real é o sentido do que fazemos. Aqueles que crêem saber, e por
isso chacotam ou ofendem aos outros, já perderam os respeito por si mesmos. A
ironia é o fino humor do sábio; a resistência é sua ação para mudar. A
humildade consiste na preocupação intima em reconhecer seus erros e
erradicá-los. Por isso um sábio pode ser humilde, mas não é subserviente; pode
lutar, sem ser violento; pode submeter, sem ser detido com a morte. Pode ser
Confúcio, Jesus, Buda, Gandhi ou Martin Luther king. O Mestre disse:
"Riqueza e posição é o que toda pessoa almeja; no entanto, se a única
maneira de obtê-las contraria seus princípios, ela deveria desistir de tal
objetivo. Pobreza e mediocridade são o que todo mundo detesta; no entanto, se a
única maneira de escapar delas contraria seus princípios, eles deveriam aceitar
sua sina. Se uma pessoa educada abandona a humanidade, como poderá construir um
nome para si? Nunca, nem por um momento, uma pessoa educada se afasta da
humanidade; ela se agarra a humanidade em meio às provações e em meio às
tribulações". (Lunyu, 4)
Não ser falso modesto -
tão ruim quanto o soberbo é o falso humilde. Este pouco sabe, e defende sua
ignorância com a intransigência. “Não ficar transtornado quando os próprios
méritos são ignorados: não é isso a marca distintiva de uma pessoa educada?”
(Lunyu, 1)
Não ser pedante ou bajulador –
a verdadeira liberdade consiste em nunca depender da bajulação, e manter o seu
direito de dizer a verdade, não importa que posição se ocupe. O Mestre disse:
"Não te preocupes se não tens uma posição; preocupa-te caso não mereças
uma posição. Não te preocupes se não fores famoso; preocupa-te caso não mereças
ser famoso". (Lunyu, 4) pois ‘O Mestre disse a Zixia: "Sê uma pessoa
culta e nobre, não um pedante vulgar"’. (Lunyu, 6)
Não ser.... - pois apenas
não seja. Sendo algo, nunca poderemos ser outra coisa. O sábio se adapta, sem
perder seu caráter. Todos querem ser algo
- o sábio só deseja estar alguma coisa,
mostrando que todas as perspectivas na vida podem mudar. E a mudança é o único
principio que permanece. O Mestre disse: "Zilu, vou ensinar-te o que é o
conhecimento. Tomar o que sabes pelo que sabes, e o que não sabes pelo que não
sabes, isso é conhecimento". (Lunyu, 2)
Ao final, difícil não pensar nas palavras de
Confúcio e de Han Yu e refletir o quanto eles permanecem atuais.: Ainda que eu
digamos tudo isso, poucos escutarão. Mas, tal como uma arvore que dá seus
frutos sem preocupar-se se alguém vai comê-los, assim também é o verdadeiro
aprendizado até que ele seja descoberto. Não podemos ser Patimau ou Pomada, e
viver da opinião. Se há um conhecimento, ele deve ser buscado... Ou esqueça-o!
Ran Qiu disse: "Não é que eu não goste do caminho do Mestre, mas
não tenho a força para segui-lo". O Mestre disse: "Quem não tem a
força pode sempre desistir no meio do caminho. Mas tu desistes antes de começar!".
(Lunyu, 6)
Referências
biográficas
André
Bueno é Prof. Adj. História Oriental da UERJ.
Referências
bibliográficas
Assis,
Machado. ‘O segredo do bonzo’ in Papéis avulsos. São Paulo: Penguin/Companhia
das Letras, 2011.
Bueno,
André. EducArte – a educação chinesa na visão confucionista. Projeto Orientalismo,
2011.
Confúcio.
Conversações. Trad. Anne Cheng. Lisboa: Estampa, 2000.
Han
Yu in Margouliès, Geroges. Histoire de la littérature chinoise. Prose. Paris :
Payot, 1949, chap. XIII, p.169-197.
Kaser,
Pierre. «De l’utilité des maîtres», Impressions d’Extrême-Orient [En ligne], 13
| 2021, http://journals.openedition.org/ideo/2090
Lin
Yutang. Com amor e ironia. Rio de Janeiro: Ponguetti, 1956.
Sima
Qian. ‘Biografia de Confúcio do Shiji’ in Lin Yutang. Sabedoria de Confúcio.
Rio de janeiro: José Olympio, 1958. Disponível em: http://sinografia.blogspot.com/p/a-biografia-de-confucio-por-sima-qian.html
Professor, gostaria de saber como "apenas não ser algo" se a profissão de professor adentra até nosso ambito pessoal e nos molda a nos comportarmos de certa forma.
ResponderExcluirJoão Guilherme Vieira Poiati
Oi João, obrigado pela pergunta! Esse 'apenas não ser algo' refere-se a não buscarmos modelos prontos e acabados [e muitas vezes, equivocados] do que é ser um professor. Obviamente, podemos modelos inspiradores - mas sempre tomando cuidado, pois ninguém é perfeito. O que os chineses queriam dizer, penso eu, é para que você se descubra como docente, e construa seu perfil de forma autônoma. Quem sabe se isso não é muito melhor do que apenas copiar modelos outros? =)
Excluirsaudações!
É muito interessante o quanto esses ensinamentos são atuais e batem com a realidade do ensino brasileiro, ao passo em que grande parte dos professores (pelo menos os que eu particularmente tive contato) adotam uma postura de autoridade de extrema rigidez em sala de aula. Em consonância com o seu texto, como manter-se, profissionalmente falando, mais aberto às necessidades dos alunos em aula? Já que o processo para ser "um bom professor" é longo e complexo.
ResponderExcluirPor: Jéssica Vitória Gaspar Freitas
Oi Jéssica, obrigado por sua excelente pergunta! Acho que o exercício de ser um bom professor passa por nossa empatia e desejo de realmente fazer algo pela educação e pelo mundo. Certo, pode parecer meio idealista ou irreal, mas não vejo como um ensino autoritário pode ser a solução para a formação de pessoas melhores. Por outro lado, vejo muito alunes hoje em dia ainda valorizando como 'bons' os professores carrascos, como se ser cobrado ou humilhado fosse solução de algo... Há um longo caminho, que passa pela sensibilidade, por saber ouvir os alunes, e tentar compreender o ritmo certo de cada grupo, de cada turma. É uma arte... =)
Excluirgrande abraço!
Bruce Lee, disse uma vez em entrevista, que devemos ser como a água, pois se colocarmos a água num copo, ela se torna o copo; se você colocar água numa garrafa ela se torna a garrafa. é possível ver alguma relação desse pensamento, com a pratica de formação docente e os ensinamentos chineses escritos em seu texto ?
ResponderExcluirAss: Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
Oi Arthur, um comentário excelente e preciso! Bruce disse isso inspirado nos velhos sábios chineses; e essencialmente, penso que isso ainda é correto. Em cada canto, uma realidade: pra cada um, a palavra certa; a sabedoria, enfim, parecer ser a de perceber o que se precisa, e dar o que se pode dar. A própria palavra 'sábio', em chinês [sheng ren] significa algo como 'aquele que escuta'. Um docente, no meu entender - e baseado, claro, nesses mestres antigos no qual nos inspiramos - deve ouvir mais do que falar, construir do que impor, e se envolver mais do que se afastar. =)
Excluirgrande abraço!!!
A partir da passagem "Nunca, nem por um momento, uma pessoa educada se afasta da humanidade; ela se agarra a humanidade em meio às provações e em meio às tribulações". (Lunyu, 4), minha dúvida seria em como um professor, empenhado em seguir todos os ensinamentos dos pensadores supracitados, conseguiria tal feito em não ser um mau professor, trazendo esses ensinamentos para a nossa realidade? sobre quais questões, além da formação de seus alunos ele poderia se agarrar?, existiria alguma?, visto que na sociedade em que vivemos, principalmente a brasileira, o historiador é categorizado de modo descartável perante a grade de ensino e a própria comunidade, tais pensadores e seus ensinamentos realmente poderiam ser aplicados em nosso cotidiano?
ResponderExcluiratt, Pietra Ida Leone Sol
Cara Pietra, obrigado por sua pergunta. Penso que, de certa foram, esses ensinamentos já são aplicados... pois embora sejamos tratados de forma descartável por alguns [não todos], e embora ser docente pareça quase uma profissão de fé, por outro, ela implica justamente em acreditar na humanidade, e por ela lutar. Para se ter um mundo melhor, há que se acreditar que ele pode ser melhor. =)
Excluirgrato!
Boa noite professor. Quero citar uma frase bem condizente com as suas ideias “se vc só fizer o que sabe nunca será mais do que é” acho que quando tentamos algo novo ou mesmo ouvimos algo novo sempre temos algo a aprender, então existiria uma linha do quanto podemos aprender com os alunos? E até onde o senhor acha que podemos(como professor) compartilhar a aula com as ideias impostas pelos alunos em sala de aula sem que isso prejudique o ensino?
ResponderExcluirAss: jarbas da silva atanasio.
Oi Jarbas, agradeço esse questionamento importante.... é um jogo, de fato. Entre dar nossas aulas, e o que podemos aprender com os alunxs, os limites não são precisos, mas precisam existir - ou a gente se perde mesmo. Acho que, novamente, Confúcio fez uma analogia muito feliz da aula como uma orquestra: a gente pode reger, mas sem músicos, ela não existe. São eles que fazem tudo acontecer, e podem trazer sugestões, opções e experiências só deles, que muitas vezes podem enriquecer e abrir novos caminhos. É da dinâmica, do processo da aula, que vamos medindo isso tudo, e aprendendo também a nortear as discussões, saber voar, botar o pé no chão, etc...
Excluirgrato! =)