A ARTE DECORATIVA DE MANOEL
PASTANA E O USO NA SALA DE AULA
Na trilha de Pastana: um
artista do interior!
Manoel
Pastana (1888-1984) nasceu no interior do estado do Pará, na Vila de Apeú,
município de Castanhal. De origem humilde, ele se muda ainda na adolescência
para Belém em busca de trabalho, atuou como estivador, caixeiro e pintor de
placas. Foi justamente nesse momento que ele teve a oportunidade de estudar,
durante a noite, frequentou as aulas pintura e desenho com personalidades de
renomes da época, como o também artista paraense Theodoro Braga (1872-1953).
É
importante lembrar que Belém vivia um contexto de intensa produção artística e,
um dos principais nomes em atividade era Theodoro Braga, que além de ser
professor, influenciou fortemente para que Pastana pudesse se dedicar à
carreira de pintor de elementos regionais. O detalhe fica por conta do contexto
econômico, visto que a Amazônia enfrentava diversos problemas de ordem
financeira, bem como a falta de investimentos públicos que não se repetiam, em
decorrência da crise da economia gomífera. Belém que, no início dos anos de
1900 até 1912, era chamada Paris na América, passava a conviver com problemas
recorrentes como a falta de saneamento e urbanização.
Figura 1. Manoel Pastana. Autorretrato. 1969.
Sim: 53×40cm. Técnica: Óleo Sobre Madeira. Acervo do Setor de Documentação do
SIM/SECULT. Foto: Renata Maués.
Importante
lembrar que a crise financeira impactou, nas palavras de Herkenhorff (1995, p.
116) as cidades de “Belém e Manaus” e “noutras cidades menores, o boom da
borracha (1850-1910) molda uma cultura na qual é evidente a nostalgia e o
desejo de uma Europa na selva”, ou seja, criar e fomentar os hábitos europeus
no meio da Amazônia, um local “selvagem, místico e inóspito”, mas, que com a
“modernização” se tornaria um modelo de civilidade.
Em
meio a esse contexto socioeconômico é que Theodoro Braga, outros artistas e
intelectuais se inspiraram para a produção de conhecimento e da arte regional e
nacional. Logo em seguida Manoel Pastana capta essas influências para a sua
arte, voltada para o regional, sempre exaltando a fauna e flora amazônica. Para
tanto procurava se utilizar dos objetos/vestígios arqueológicos indígenas que
estão presentes nas suas produções, inclusive em sua famosa arte decorativa
aplicada.
Podemos
considerar que em relação ao seu percurso formativo, alguns momentos
importantes mostram-se necessários como a sua integração à Associação de
Artistas Paraenses e a sua participação na fundação da Academia Livre de Bellas
Artes no Pará em 1918. Pastana atuou como professor, ministrou cursos
particulares de pintura e desenho, em síntese, destacou-se como artista
plástico, pintor e desenhista.
O
seu estilo artístico foi comumente rotulado de modernista, em decorrência do
período de atuação vivenciado nos anos de 1920. Contudo, é perceptível que
devido às influências adquiridas, o cenário em que estava inserido favoreceu o
contato com outros estilos artísticos como: expressionismo e romantismo.
Belém e as imagens
construídas para a República
Manoel
Pastana viveu o momento de implantação da república que era vista como um
regime capaz de representar a liberdade e igualdade. E as cidades tornavam-se o
berço da cidadania moderna. Contudo, a implantação do modelo republicano, em
1889, e a consequente consolidação ocorreu sem a participação popular, sendo
possível graças à vitória da ideologia liberal de caráter pré – democrático.
Esse modelo contou com o poder das oligarquias que viam no novo momento
político a possibilidade de se manterem a frente da economia e, sobretudo, dos
domínios da política.
Maria
Tereza Chaves de Mello chama atenção para o termo “república” e como foi
utilizado nesse cenário enquanto uma marca: “o sinal do futuro”, justamente
porque estava atrelado à ideia de evolução ou mesmo como revolução. Nesse
sentido, o papel desempenhado pela propaganda republicana foi o de “estabelecer
uma sinonímia fechada entre os termos república e democracia” (MELLO, 2009, p.
29). Sendo assim, criou-se, em diversas partes da federação, a imagem do novo regime
responsável por conduzir a população em direção ao progresso.
Por
outro lado, a democracia ganhava corpo, consolidando a participação do povo em
seus eventos. Claro que isso ficou apenas no discurso, pois, em vários
momentos, os governadores cometeram abusos manifestados pelo uso da força
contra os seus opositores (CASTRO, 2021a). Neste cenário de transformações
trazidos pela República, as primeiras exposições de arte ganham espaço, criando
uma espécie de educação a partir do olhar. As exposições eram direcionadas a um
público específico, voltava-se para a elite belenense que se via civilizada.
Figura 2. Cartão Postal – Exposição de Carlos Custódio de Azevedo – Teatro da Paz. Fonte: Belém da Saudade: A memória de Belém no início do século em cartões-postais.
A imagem mostra a exposição
de Carlos de Azevedo, no amplo Foyer do
Teatro da Paz. É possível perceber as senhoras elegantemente vestidas que estão
paradas para serem fotografadas. A exposição ocorria no turno da manhã, horário
mais aprazível diante das condições climáticas da região. Além disso, pode-se
verificar que a luz que adentra o espaço torna a imagem clara, proporcionando
controle, tanto dos fotografados quanto do fotógrafo. A posição dos quadros
demonstra, ainda que qualquer pessoa que estivesse em frente ao Teatro poderia
observá-los.
Se por um lado a exposição
poderia ser visitada por qualquer pessoa, posto que o acesso era gratuito, por
outro as pessoas deveriam atentar para alguns detalhes, na medida em que para
acessar a sala, os visitantes deveriam estar “decentemente vestidos” (FOLHA DO
NORTE, 1905, p.1), além do que nos dias de espetáculos a exposição ficaria
franqueada apenas aos expectadores do teatro.
Quando olhamos para a
imagem percebemos a necessidade de se refletir sobre a
possibilidade de realizar atividades com os alunos em sala de aula, levando-os
a entender que existe outras formas de linguagem, além da tradicional, o que
pode auxiliar os discentes a questionar e a desconstruir as formas ideológicas,
entendidas aqui como as leis, livros didáticos e conteúdos vistos ao longo de
sua formação.
Quando se apresenta uma imagem ao aluno (fotografia,
pintura, gravura etc.), geralmente ele é capaz de associá-las com as
informações que já possui, mostrando que esse aluno traz consigo um
conhecimento prévio. Como toda imagem é trans histórica, na definição de
Waizobort (2015, p. 13), o aluno pode perceber a marca e o momento de sua
produção.
Regionalismo e arte
aplicada: os desafios da arte local
Em
toda a sua produção artística, Pastana mostra-se comprometido com a exaltação e
construção de uma arte puramente nacional, isso fica claro em suas inspirações
que compõem parte de suas produções como arte indígena, cerâmicas arqueológicas
marajoaras, fauna e flora amazônica, lendas regionais, cultura e arte
produzidas pelos habitantes ancestrais da ilha do Marajó.
Alguns
autores e críticos de jornais discorrem a respeito dos usos da estética
indígena na arte, como Tapajós Gomes (1913-1990) que, em uma publicação no
jornal Correio da Manhã de 31 de maio
de 1942, escreve sobre o interesse expressivo de Manoel Pastana pela arte
indígena, sobretudo marajoara.
Para
Gomes a produção de Pastana carrega aquilo que ele chama de “Voz do Sangue”,
visto que seria um ímpeto de ancestralidade, que atravessa as gerações para
algo e que como o autor conjectura, enfatizando que Pastana é responsável por
carregar nas suas produções essa voz, que objetivamente estaria ligado à sua
ancestralidade. Posto que Pastana veio de uma região permeada por essa arte, o
que explica que é justamente esse fator que influência as obras do artista,
demonstrando com isso que a sua inspiração se conecta com a arte ancestral
marajoara, com as lendas regionais e com motivos da natureza.
Na
imagem abaixo consideramos uma série de elementos representativos da arte
indígena e que foram utilizadas por Pastana para construir um vaso de cunho
decorativo para fins residencial e industrial. Trata-se de uma produção que
envolve o conhecimento do autor acerca dos traços culturais amazônicos, de modo
que ganha espaço não apenas para a população de Belém, quanto para a o cenário
nacional. É nítido os traços do Jaboty da mata, numa alusão clara aos animais
da região. O Vaso, em síntese é apresentado como uma carapaça de jabuti o que colabora
na construção de um elemento simbólico e exótico.
Figura 2. Manoel Pastana. “Vaso ornamental (bronze) motivo: Jaboty da Mata”. 1928. Dimensão: 42,8 × 22,3 cm. Aquarela. Fonte: Catálogo/Setor de documentação do SIM/SECULT. Foto: Renata Maués.
As
suposições de Gomes (1942) a respeito da arte de Pastana, mostra o fato de que
essas características sempre estiveram presentes nos seus trabalhos, que se
utilizou da pintura, da arte aplicada e cerâmica para construir uma arte que
trabalhasse a identidade regional e nacional, a partir dos aspectos da história
e da cultura indígena da Amazônia.
A
estética indígena foi motivo de inspiração para diversos artistas desde o
século XIX, e teve o seu auge no Romantismo, que propunha tanto para a arte
como para literatura uma visão exótica, de exaltação da brasilidade e de
ufanismo. Com o indianismo, o índio passa a ser visto como um ser mítico,
protetor da natureza e “símbolo nacional”.
“[...]
O discurso nacionalista foi recebido, discutido, traduzido e adaptado as
condições existentes na nação naquele momento. Unia-se a vontade de ser igual
as nações europeias, mas com as particularidades brasileiras, dentre elas, o
uso do simbolismo indígena de grupos existentes ou desaparecidos como
identidade nacional [...]” (LINHARES, 2017, p. 32)
Patrícia
Godoy (2013) enfatiza sobre como o índio foi representado como símbolo de
nacionalidade e inspiração para a arte, na medida em que passa a ser visto como
“um elemento de suma importância para o período”, contribuindo com a “ideia de
construção de uma identidade brasileira por meio da arte”, e isso ocorre
justamente no momento em que os artistas militantes foram seduzidos quase todos
com o desejo de “inundar o ambiente cultural brasileiro com a mais ‘pura’ arte
brasileira” (GODOY, 2013, p. 168).
Para
Pastana a reprodução dessa arte indígena não deveria se limitar à fins
científicos ou como instrumento arqueológico. Para ele os artistas deveriam se
desprender desse tipo de produção, buscando captar inspirações e influências e
não produzir cópias fiéis:
“[...]
é o maior e único monumento archeologico que possuímos e, portanto, é também o
único cunho de brasilidade que se pode dar na arte decorativa nacional,
adaptando-o como ponto de partida, mas nunca decalcando o que o índio fez. Para
isso é necessário vencer a influência dos archeologos – fazer arte e não
documentação scientifica”. (PASTANA, Correio
da Noite, 1939)
Manoel
Pastana em sua arte aplicada mostra o quanto se dedicou a este modelo, buscou
uma arte nacional, seguiu os passos de seu mestre Theodoro Braga, demonstrou
grande interesse nesse tipo de projeção, ao mesmo tempo em que reafirmava a
arte indígena. Pastana destacou que era,
“[...]
muito simples, em primeiro lugar creio que, em arte não se pode ser enciclopédico;
em segundo lugar, ou pela convivência que tive com o mestre – Theodoro Braga –
ou porque sou descendente direto de índio, sempre tive particular inclinação ou
obsessão pela arte dos indígenas. Resolvi então me dedicar unicamente à arte
decorativa, aproveitando não só os motivos da natureza, como o que nos legou o
aborígene pré-histórico”. (PASTANA, Correio
da Noite, 1939).
A intenção de Pastana com a arte aplicada era a associação de elementos da natureza com uma cultura material, voltada para a indústria de consumo. Importa destacar que a revolução industrial, em fins do século XIX, associou a produção artística com as atividades comerciais. Neste momento, a indústria brasileira passa a associar a sua produção de modo que vai se consolidando, um verdadeiro surto industrial.
Figura 3. Manoel Pastana. "Frisa decorativa- Motivo Caranguejo." S/d. Dim: 23,7×49 cm. Aquarela/papel. Disponível em: https://objetosdafloresta.com/2012/05/04/ufpa-museus-de-belem-35/
Nesta
imagem evidencia-se que a inspiração do autor foi na fauna amazônica, o uso do
caranguejo ou as representações desse crustáceo era comum nas comunidades
indígenas amazônica. Os povos indígenas viam na representação do caranguejo e
de outros animais a capacidade de transformação. O pintor deixava claro que a
utilização dos motivos indígenas deveria ocorrer a partir do estudo das obras,
para que o resultado da produção fosse considerado sério. Para Pastana o estudo
sério e apurado da cultura marajoara era, portanto, uma forma de apresentar o
caráter nacional presente nas culturas indígenas, de modo que os elementos da
identidade brasileira poderiam se tornar essencial para compreensão da história
do Brasil.
Quando
voltamos nossos olhos para a imagem acima, fica evidente que as cores são
elementos que devem chamar atenção do observador. As cores são marcantes, ao
considerarmos que o pintor observou as estruturas conceituais da sociedade que
pertence, de modo que devem ser consideradas para se entender a forma como as
obras são produzidas (CASTRO, 2021b). Portanto, ao observar uma obra,
procura-se verificar as ideias práticas que estão embutidas nas imagens. Uma
questão que cerca o pensamento de Baxandall relaciona-se com a necessidade de
um reconhecimento indireto da seriedade intelectual do artista, além do desejo
de aproximar a pintura dos “novos modos de pensar fundados na palavra e no
conceito -, mas as instituições não são de fato desabonadoras” (BAXANDALL,
2006, p. 122).
A utilização de linguagens diferenciadas pode
levar o aluno a um processo de aprendizagem mais interativo, prazeroso, que
tenha significado, que lhe dê condições de se posicionar criticamente frente a
questões e problemas que a sociedade traz. Enfim, trabalhar os processos
iconográficos da história em sala de aula é um caminho fascinante que pode se
multiplicar em infinitas formas e possibilidades, sendo uma importante fonte de
pesquisa para compreensão da história.
Considerações finais
Com
base nas pesquisas feitas e aqui apresentadas é nítido perceber que a exaltação
do nacional e principalmente de cenários mais regionais – como é o caso da
Amazônia – fez-se presente durante meados do século XIX e início do século XX.
Esse tipo de retratação traz à tona uma visão de nacionalismo, exaltação da
pátria e pertencimento da nação, algo que as artes no geral souberam utilizam
bem ao seu favor.
Manoel
Pastana como o artista paraense que é fez isso com maestria, atrelou seus
regionalismos e sua descendência indígena - como ele próprio costumava colocar
na sua arte associando-a à indústria e a uma arte de cunho aplicado, com a
produção de pranchas com motivos de decoração inspiradas por toda a beleza e
exuberância da Amazônia e seus habitantes.
O
estudo além de tecer o percurso do artista traça um paralelo com o momento
histórico vivido pela região amazônica como um todo, no sentido de mostrar como
a economia extrativista da borracha naquele período se apresentou para a
sociedade não somente no contexto econômico, mas suas implicações sociais
vividas pela comunidade belenense, nos centros urbanos de maior efervescência
naquela conjuntura.
Referências biográficas
Bianca Leal Machado, estudante do curso de
Licenciatura em História do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Pará.
Dr. Raimundo Nonato de Castro, professor do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
Referências bibliográficas
BAXANDALL,
Michael. Padrões de intenção: a
explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CASTRO,
Raimundo Nonato de. O lápis endiabrado:
Andrelino Cotta e a caricatura em Belém do Pará nos anos 20. Belém: Editora
IFPA, 2021.
_____.
História e narrativa visual na tela a
conquista do Amazonas de Antônio Parreiras (1905-1908). Belém: FCP,
2021.
GODOY,
Patrícia Bueno. Carlos Hadler: apóstolo de uma arte nacionalista. Tese de
doutorado, São Paulo, Unicamp, 2004.
HERKENHOFF,
Paulo. “Design e Selva: o caminho da modernidade brasileira”. In: The Journal of decorative and Propaganda
arts. Miami: The Wolfson Foundation, 1995.
MAUÉS,
Renata de Fátima da Costa. Manoel
Pastana (1888-1984): biografia de uma coleção. Dissertação (mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Artes, Instituto de Ciências da Arte, Universidade
Federal do Pará, Belém, 2019.
MELLO,
M. T. C. “A modernidade republicana”. Tempo,
Niterói, v. 13, n. 26, p. 15- 31, 2009. Disponível em: http://dx.doi.
org/10.1590/S1413-77042009000100002.
Mensagem
dirigida em 07 de setembro de 1909, ao Congresso legislativo do Pará, pelo
Governador João Antonio Luiz Coelho. Belém: Imprensa Oficial, 1909.
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