ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE HISTÓRIA REGIONAL E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO CENTRO DE MEMÓRIA MUNICIPAL DE
ARARUAMA/RJ
Neste trabalho analisaremos brevemente o
conceito de Educação Patrimonial e refletiremos sobre as possibilidades de sua
aplicação no ensino de história regional no Centro de Memória Municipal Dr.
Sylvio Lamas de Vasconcellos, do município de Araruama - RJ. Nesse sentido,
destaca-se a metodologia que foi denominada de Educação Patrimonial. Essa
metodologia é uma introdução relativamente recente na área de educação
histórica no Brasil, e marca uma interface entre políticas ligadas ao
patrimônio e ensino de história.
O município de Araruama é um dos municípios
integrantes da região denominada popularmente como Região dos Lagos, no litoral
do Estado do Rio de Janeiro. Uma cidade turística e que tem como um dos seus
atrativos culturais, o Centro de Memória Municipal Dr. Sylvio Lamas de
Vasconcellos (FERREIRA, 2019). A criação desse centro de memória aconteceu em
fins da década de 1980. Naquele momento ocorreu a eleição do Senhor Altevir
Pinto Barreto, que governou a cidade entre 1989 e 1992 (VASCONCELOS, 1998). Em
sua gestão realizaram-se inúmeras ações ligadas à história e a memória da
cidade de Araruama. Assim, durante sua gestão, a Prefeitura de Araruama,
através de seus agentes, buscou promover algum tipo de ação no sentido de
propagar, enquadrar ou configurar uma determinada leitura do passado daquela
localidade (FERREIRA, 2019). O autor Fernando
Sanchez Costa (2009), identifica o Estado como o principal configurador ou
agente que participa da construção de uma determinada interpretação do passado,
mas não apenas o único, pois pode-se perceber que acabam atuando também a
arqueólogos, escolas, museus, professores, jornais, novelas e outros.
Como
resultado do desenvolvimento de políticas locais de memória, aconteceu a
criação em 1992, do Centro de Memória Municipal Dr. Sylvio Lamas de
Vasconcellos (VASCONCELLOS, 1998). A partir daquele momento, o Centro de
Memória passou a desempenhar um papel importante na preservação e divulgação da
história local, através de exposições e a guarda de livros e outros documentos
sobre a história da cidade.
Os museus e os centros de memória são
essenciais para entender e explicitar como uma localidade pensa sua história,
sua identidade e sua memória coletiva segundo o pesquisador Eduardo Francisco
Pimentel, “Os museus, especialmente de pequenas cidades, se inserem na paisagem
da cidade como uma instituição relevante para representar a história, a
cultura, o patrimônio, a memória e a identidade da região ou do lugar.”
(PIMENTEL, 2016, p.77). Portanto, os museus portam em suas exposições e galerias,
o que aquela comunidade considera como simbólico e importante, para eles
enquanto grupo social. Ao mesmo tempo, os museus e centros de memória, se constituem enquanto portadores e
propagadores de uma narrativa do passado, se utilizando da exposição de
elementos patrimoniais, pois como salienta o Professor Manuel Salgado “Patrimônio é também uma escrita do passado, submetida
evidentemente a uma gramática e a uma sintaxe específicas”. ( GUIMARÃES, 2012,
p.98). O Centro de Memória Municipal Dr. Sylvio Lamas de Vasconcellos forja,
através da exposição de artefatos e elementos materiais, uma narrativa que se
utiliza de outros meios (COSTA, 2009) que fogem dos meios historiográficos
tradicionais (livros, artigos, etc.), para contar sobre o passado da cidade de
Araruama.
Nesse
sentido, entendemos que o Centro
de Memória Municipal Dr. Sylvio Lamas de Vasconcellos, também se configura em
um espaço carregado de possibilidades para a realização de uma educação
histórica, e não deve ser apenas utilizado e percebido como um espaço voltado
para fins turísticos e de entretenimento com suas exposições e seu edifício
histórico. Dentro desta perspectiva, ressaltamos
que nos últimos anos tem ganhado espaço no Brasil, esse
diáloga entre patrimônio (material e imaterial) e o ensino de história.
Para tanto, dentro desta
perspectiva de ensino e uso do patrimônio como local de aprendizado, tivemos no
Brasil a introdução na década de 1980, da metodologia que foi denominada em
português de Educação
Patrimonial. Como resultado de debates e indagações que
surgiam entre os educadores sobre o papel dos museus como local e espaço de
ensino e aprendizagem histórica, em 1983, aconteceu o I Seminário sobre o Uso
Educacional de Museus e Monumentos, no Museu Imperial na cidade de Petrópolis
no Estado do Rio de Janeiro. O conceito e a metodologia de trabalho proposta
pela Educação Patrimonial, no Brasil foi primeiramente definido pelas
pesquisadoras Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro:
“Trata-se
de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as
evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos,
sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as
crianças e os adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e
valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes
bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo
contínuo de criação cultural.”(HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p.5)
Assim, a educação patrimonial aparece como uma importante
ferramenta metodológica nas mãos de historiadores e professores, que assim
podem transformar um centro de memória e seus elementos, em uma área
educacional com o intuito de construir cidadãos conscientes e de reforçar a
necessidade de preservação. Com a utilização dos centros de memória e seus acervos,
em local de ações pedagógicas e se utilizando de diferentes técnicas e
atividades educacionais para tal intento (visitas, peças teatrais, dinâmicas,
etc.).
Afinal,
do ponto de vista educacional, em uma abordagem sócio-cultural, se reconhece
que o conhecimento é fruto das interações do indivíduo com o meio na qual ele
está inserido. Concedendo assim, ao sujeito um papel central na produção do
saber como um todo. Onde segundo Paulo Freire (1979), para que o homem se
constitua como sujeito, é fundamental que ele, integrado num determinado
ambiente histórico, reflita sobre ele e tome consciência de sua historicidade e
da realidade social no qual está inserido. Pois desta forma,
“Ao
apropriar-se do sentido e da peculiaridade de suas manifestações em todos os
aspectos da vida diária, esses indivíduos tendem a modificar suas atitudes em
relação aos bens, tangíveis e intangíveis, a recuperar os sentimentos de
autoestima e de cidadania.” (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p.9).
Nessa
perspectiva educacional, o Centro de Memória Dr. Sylvio Lamas de Vasconcellos,
se configura em um espaço possível para a realização de atividades educacionais
voltadas para a apreensão da história local entre os seus visitantes.
Atualmente o Museu funciona com algumas exposições pontuais e permanentes sobre
a história da cidade. A exposição exibida atualmente no Centro de Memória Dr.
Sylvio Lamas de Vasconcellos sobre a história do município de Araruama está
dividida em dois blocos, um bloco dedicado aos povos indígenas que habitavam a
região e a outra parte tem como temática a colonização e a evolução política
administrativa da cidade de Araruama, da sua fundação até o século XXI.
Ao visitar a primeira parte da exposição e
que foi dedicada aos indígenas que habitaram a região, os visitantes e alunos
podem observar vestígios materiais, urnas,
artefatos diversos recuperados nas escavações arqueológicas que ocorreram na
cidade ao longo das últimas décadas (FERREIRA, 2019). Ao redor da pequena
exposição de elementos da cultura material dos povos indígenas, existem grandes
placas informativas sobre a história e dados sobre elementos da cultura e
religião dos povos indígenas que habitavam a região. (FERREIRA, 2019).
Assim, o aluno e demais
visitantes poderão tem um olhar direto sobre objetos diversos (artefatos,
ferramentas, etc.) e assim perceber como era o dia a dia e a vida desses
indígenas que viveram a milhares de anos naquele
local. Nesse ponto, o professor pode trabalhar com seus alunos aspectos
sociais, econômicos, religiosos e etc. dos povos nativos. Observar ao vivo e
ter essa vivência espacial pode causar até estranheza em muitos que só estão
acostumados a fotos, filmes e livros didáticos. Mas, causar estranheza é um dos
objetivos, pois confronta os livros e a imaginação com o mundo real, que é
palpável e atiça todos os sentidos.
A inserção da temática
indígena no ensino de história é um debate que ganhou força nos últimos anos. Afinal, nos últimos anos houve um grande avanço na luta
pelos direitos indígenas quando foi sancionada em 2008, durante o governo do
presidente Luis Inácio Lula da Silva, a lei que determina a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro e indígena aos estudantes
da Educação Básica de todo o território nacional (SILVA, 2012). Assim, lentamente
foi ganhando força a percepção e o reconhecimento da história indígena enquanto
uma parte da história nacional. Afinal, durante muito tempo as narrativas
históricas excluíam ou incorporavam os indígenas de forma marginal, como
salienta Antonio Carlos de Souza Lima:
“A
“narrativa histórica oficial”, os currículos desde o ensino básico ao
universitário, passando pela mentalidade dos governantes – seja qual for a área
da administração pública – e dos gestores de instituições de ensino, ou mesmo
pelo mais comum dos cursos de graduação em história, ao fornecerem uma única
linha explicativa calcada em momentos privilegiados em que os indígenas não
estão presentes “(LIMA, 2006, p 15).
Apesar de
todos os avanços obtidos em relação à temática indígena no Brasil nas últimas
décadas, ainda existem muitas áreas que merecem mais avanços e uma delas é o
ensino de história. A própria lei federal, depois de mais de dez anos de
promulgação, ainda enfrenta problemas em sua aplicação como salienta Edson
Silva, “[...] persistem vários desafios para efetivação do que determinou a Lei
11.645/2008.” (SILVA, 2012, p.220). Esses
fatores tem afetado a formação de pesquisadores e de professores sobre a história
e a cultura dos povos indígenas, e de certa forma ajudado a se perpetuar essas
antigas narrativas que “[...] contribuíram para excluir os índios de nossa
história.”(ALMEIDA, 2010, p 25).
Nesse
sentido, a exposição indígena no Centro de Memória fornece aos professores
elementos diversos para inserir e trabalhar a temática indígena na história
local e até mesmo em diálogo com a história do Brasil. A exploração visual dos
artefatos como urnas e artefatos diversos, serve como suporte inicial de
comunicação entre o passado e presente para o visitante. É uma pequena
exposição, mas cumpre sua função de preservar e expor as peças retiradas dos
sítios arqueológicos que existiam na cidade. Assim, a organização dessa
exposição na localidade de origem do material, está inserida dentro desta
perspectiva, como salientam Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro:
“A
Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que
possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que
está inserido. Esse processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e
comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e
plural.” (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO,1999, p.6)
Na segunda parte da exposição presente no centro de memória,
destinada a história da cidade a partir da colonização e ao posterior
surgimento e desenvolvimento do município de Araruama, o
professor pode trabalhar com seus alunos aspectos sociais, econômicos,
culturais, políticos e religiosos relacionados à evolução da cidade até os dias
atuais. Nessa parte da exposição, temos fotografias antigas da cidade, dados
informativos e alguns elementos da cultura material do passado da cidade a
disposição dos olhares dos visitantes e alunos. A parte da exposição com
fotografias antigas, por exemplo, permitem a visualização espacial da cidade ao
longo do tempo e servem como um aliado no propósito de mostrar como o espaço é
uma construção social. Por fim, o prédio onde o Centro de Memória esta
localizado, é um dos mais antigos da cidade e foi a primeira sede da Prefeitura
Municipal, datando o edifício da segunda metade do século XIX. Sendo assim, um
patrimônio material que pode também ser inserido no ensino de história local
pelo professor, juntamente com os elementos presentes no Centro de Memória.
Mas,
a educação patrimonial não deve ser vista como uma simples ida ao Centro de
Memória de Araruama, na verdade o ideal é que seja parte de um projeto
pedagógico maior na qual a visita ao local escolhido, se insira dentro de um
projeto educacional e que se possa assim, ampliar as atividades educacionais,
com ações prévias realizadas em sala de aula e complementares depois de
terminada a visita. Neste ponto é de se salientar que o ideal é que a escola
realize á visita dentro de um projeto pedagógico previamente planejado pelos
professores, pois a preparação dos alunos é uma etapa muito importante a ser
realizada na escola antes do passeio a um museu ou centro de memória. O
significado da visita é o de estimular e levantar hipóteses sobre os bens
culturais e não os alunos chegarem cheios de respostas prontas, ou fiquem
apenas olhando ou passeando pelo local em uma atitude passiva diante do patrimônio.
Nesse sentido, ressaltamos que a metodologia
Educação Patrimonial pressupõe quatro etapas a serem percorridas: observação
(exercícios de percepção sensorial como adivinhações, etc.), registro (como
desenhos, etc.), Exploração (analise dos dados colhidos, etc.) e apropriação
(com a culminância do projeto idealizado pelo professor) (GRUNBERG, 2000). Assim, previamente o professor (a) deve
elaborar um projeto, elencando os objetivos e a maneira como o Centro de
Memória de Araruama ou de outra cidade, com seus objetos e artefatos materiais,
vão ser trabalhados e absorvidos pelos alunos ao longo do projeto que está
sendo desenvolvido.
O Centro de Memória Dr. Sylvio Lamas de
Vasconcellos está localizado na região central do município de Araruama, e
aberto a visitações está aberta à visitação de 9h às 17:30h, de segunda a
sexta-feira. Ao pensar as possibilidades de uso do Centro de Memória e os
elementos patrimoniais que fazem parte de sua exposição sobre a história local
no ensino de história, ressaltamos que a educação patrimonial tem um papel
importante a desempenhar como construtora da cidadania e ajudando as pessoas,
sejam alunos ou visitantes, a perceber os elementos patrimoniais que compõem o
Centro de Memória Municipal Dr. Sylvio Lamas de Vasconcellos, como parte de seu
passado.
Nesse sentido, conhecendo o seu patrimônio
regional os alunos poderão reconhecer neles parte de seu passado, fazendo do
patrimônio de sua região, parte de sua história também. Desta forma, a educação patrimonial se coloca como uma das mais importantes ferramentas
de preservação do patrimônio local e como proposta inovadora para o
professor de história utilizar em sala de aula.
Referências biográficas
Marlon Barcelos Ferreira é Doutorando em História Social
do PPGHS-UERJ
Referências
bibliográficas
ALMEIDA, Maria celestino de. Os índios na História do
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
COSTA, Fernando Sánchez. “La cultura
histórica. Una aproximación diferente a la memoria coletiva”. in PASADO Y
MEMORIA, n.8, 2009, p. 267-286.
FERREIRA, Marlon Barcelos.
Da arqueologia para a história: o lugar dos índios no município de Araruama.
2019. 156 f. Dissertação (Mestrado em História Social do Território) -
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2019.
FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo:
1979.
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. “História,
memória e patrimônio”. in Revista do serviço do patrimônio histórico e
artístico nacional, vol. 34, 2012, p. 91-111.
GRUNBERG, Evelina. Educação
Patrimonial: Utilização dos Bens Culturais Como
Recursos Educacionais. In: Cadernos do CEOM, n. 14, 2000. Disponível em
https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc/article/view/2133/1222
HORTA, M. L., GRUNBERG, E. MONTEIRO, A. Guia
Básica de Educação Patrimonial. Brasília: UNB, 1999.
LIMA, Antonio de Carlos Souza. Prefacio. FREIRE, Carlos Augusto da
Rocha; OLIVEIRA, José Pacheco de. A presença indígena na formação do Brasil.
Brasília: SECAD, 2006.
PIMENTEL, Eduardo Francisco.
Museu Municipal: Memória, História e Identidade. O Museu Municipal de
Carangola-MG. 273 f. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) –
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
SILVA,
Edson. “O ensino de história indígena: possibilidades, exigências e desafios
com base na lei 11.645\2008”. In REVISTA HISTÓRIA HOJE, vol.1, n.2, 2012, p.
213-223.
VASCONCELLOS, Sylvio Lamas de. Apontamentos sobre Araruama. Araruama: Albes Pereira Editores, 1998.
Como o turismo pedagógico (estudo de campo) pelo viés da educação patrimonial pode contribuir para uma visão mais problematizadora de espaços como centros de memória, seus sujeitos e narrativas?
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